Memes e saúde mental: qual é o limite das `brincadeiras`?
27 de Janeiro de 2020
Em reportagem publicada recentemente, o site Nexo abordou uma questão que é muito sensível para os profissionais da saúde, especialmente os que trabalham com saúde mental e emocional. No texto "Quando transtornos psicológicos viram humor na internet", o jornalista Fredy Alexandrakis fala sobre como memes sobre temas como depressão e traumas podem ajudar a tirar estigma de assuntos sensíveis, mas também podem contribuir para disseminar informações imprecisas.
"Brincar com a depressão, ansiedade e sessões de terapia nas redes sociais se tornou comum, em particular entre os jovens. Um exemplo é a expressão "gatilho", que vem do inglês "trigger". Com origem na psicologia, o termo faz referência a eventos que podem desencadear uma reação emocional intensa, associada a um trauma, e faz parte da linguagem usada para tratar de sintomas da síndrome de estresse pós-traumático", destaca a reportagem.
Autora do livro VIDAA: 5 passos para vencer mais um dia, a psicóloga Monique Tassinari destaca que é preciso ter cuidado quando os memes, as "brincadeiras" virtuais, falam sobre temas importantes e sensíveis, o que inclui as questões de saúde mental. "É importante falar sobre saúde mental da forma correta. Precisamos buscar informações e disseminar conteúdos produzidos por profissionais da área da saúde", salienta. Ela lembra que memes considerados "inofensivos" para a população em geral podem trazer consequências graves para quem apresenta um transtorno mental, como depressão ou ansiedade.
Brasil: um país de liderança... nem sempre positiva
Dados apresentados por Monique monstram uma realidade nada positiva em relação ao Brasil e as questões de saúde mental:
- é líder o ranking mundial em relação a ansiedade;
- tem a maior taxa de depressão da América Latina e a segunda maior das Américas;
- registra cerca de 32 pessoas mortes por suicídio por dia.
Os números deixam clara a necessidade de se ter muito cuidado com as frases e imagem que são disseminadas como memes, pois há uma chance alta de alguém com o transtorno que é alvo da "brincadeira" ter acesso a ela. "Muitas vezes, quem não vivencia a rotina de alguém com ansiedade e depressão não imagina quão sofrido é e como alguns pensamentos se tornam recorrentes, incluindo, por exemplo, o de tirar sua vida. Quando essa pessoa, que já não se sente bem, lê em uma imagem da internet que tudo que está ruim ainda pode piorar, ela pode acreditar que é 100% verdade, o que é será muito prejudicial para ela", detalha a psicóloga. Ela cita ainda os memes que falam "na minha época esse era o tipo de terapia" e mostram fotos de chinelos e cintas: estes memes reforçam a ideia de que os transtornos mentais são problemas de comportamento e são escolhas dos indivíduos, além de estimular a violência e minimizar o efeito da terapia.
"Precisamos tomar cuidado com o que compartilhamos. O mundo precisa de empatia, precisa que nos coloquemos no lugar do outro. Sempre que falarmos sobre depressão, ansiedade, pânico, esquizofrenia, entre outros, é importante ouvir um profissional da saúde mental", salienta. Ela lembra que é possível, sim, brincar e tornar o tema mais leve, porém é preciso responsabilidade e evitar interpretações que possam valer a vida da outra pessoa.
Quando a pessoa é o meme
Monique lembra outra questão importante a ser discutida: e quando é a pessoa que vira meme e tem a sua foto utilizada como fundo das frases e das "brincadeiras"? Isso pode causar queda de autoestima, preconceito e sofrimento psíquico, além de impactar outras pessoas próximas. Citando o ator Fábio Assunção, Monique lembra que transtorno por uso de substâncias é algo sério, que precisa de acompanhamento e intervenção. "Muitas vezes achamos que é uma brincadeira inofensiva, sem nos darmos conta de como ela impacta a vida do outro e impede que pessoas busquem ajuda por vergonha, medo, etc. Brincadeira é quando duas pessoas se divertem juntas e se só um lado está rindo, há algo errado que precisa ser repensado", frisa.
Compartilhou um meme e agora está refletindo melhor sobre a "piada"? Lembre que sempre é possível apagar o post, pedir desculpas, substituir a "brincadeira" por informações corretas sobre saúde mental. "A sociedade e as relações têm um papel muito importante no incentivo e no compartilhamento de informações de saúde mental", conclui Monique.